domingo, 24 de novembro de 2013

Favoritos do cinema (8): Meu nome não é Johnny


Esta seção Favoritos do cinema está longe de pretender ser algo como uma lista de "melhores filmes" (listas de “melhores” que, aliás, nunca deixam de ser arbitrárias e subjetivas). Esta é só uma relação de filmes que, digamos, eu revejo ou tenho vontade de rever.


Reprodução
Selton Mello, na cena do tribunal

Entre os brasileiros, Meu nome não é Johnny, de 2008, dirigido por Mauro Lima, é um desses. Conta a história verídica de João Guilherme Estrella, um rapaz de classe média da zona Sul do Rio de Janeiro que de balada em balada acabou se tornando traficante de cocaína e personalidade da sociedade carioca. 

O ótimo resultado final do filme se deve já de início ao roteiro de Mauro Lima e Mariza Leão sobre livro homônimo de Guilherme Fiúza. E a direção do próprio Lima dá à película um caráter sensível que o distancia do lugar comum da maioria de filmes brasileiros sobre o tema, que descambam pela violência e apelações rasteiras fáceis. 

Para dar liga à trama e dar alma ao personagem central, a interpretação de Selton Mello é essencial. A cena no tribunal, por exemplo, quando Estrella/ Selton assume ser o dono da droga, em diálogo com a juíza responsável pelo caso, é um primor dramatúrgico. Não só pela atuação emocionante de Selton, mas também pela de sua interlocutora Cássia Kiss no papel da magistrada, que tem fama de ser "mão de ferro" na aplicação da lei, mas, no fundo, se impressiona com o drama e a sinceridade do rapaz, como revela a expressão da juíza/Cássia Kiss com seu olhar.
Reprodução
Cássia Kiss, como a juíza "mão de ferro"
Nem todo bom diretor é um bom diretor de atores, mas Meu nome não é Johnny não sofre desse mal. Mauro Lima teve a sorte, ou a oportunidade, de trabalhar com atores que realmente encarnaram seus personagens, casos de Selton Mello e Cássia Kiss. A bela Cléo Pires é apenas eficiente como Sofia, a namorada de João Guilherme Estrella/Selton Mello, e Júlia Lemmertz é convincente como a sofredora mãe de João. Mas as personagens da namorada e da mãe não ajudam muito, são naturalmente fracas no enredo, por isso as atrizes não podem fazer mais do que fazem.

E a trilha sonora também ajuda muito. Ela se encaixa na narrativa de tal maneira que acaba fazendo parte do filme. Nesse sentido, destaque para a canção "It's a long way" (Caetano Veloso), na interpretação de Olivia Broadfield.


Meu nome não é Johnny (2008)
Direção: Mauro Lima
Roteiro: Mauro Lima e Mariza Leão sobre livro homônimo de Guilherme Fiúza

Atores principais:
Selton Mello - João Guilherme Estrella
Cássia Kiss - juíza
Cléo Pires - Sofia
Júlia Lemmertz - Mãe de João
Giulio Lopes - Pai de João

***

Leia também, da série Favoritos do cinema:

Os outros, com Nicole Kidman

"Quando explode a vingança", de Sergio Leone

Fargo (irmãos Coen)

Era uma vez no Oeste - Sergio Leone e o faroeste de cinéfilo italiano

Os Incompreendidos, de François Truffaut

Pasolini

Acossado, de Godard

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Não é bem assim, Joaquim



Valter Campanato/ABr


De repente, algumas vozes de "formadores de opinião" vindas da chamada "grande mídia" lacerdista começam a se manifestar, mesmo que timidamente, em oposição ao caráter autocrático, antidemocrático e antirrepublicano do presidente do Supremo Tribunal Federal. Em uma palavra, fascista. Certamente, o fato de vozes da mídia fazerem uma "reflexão" não se dá por acaso. Mas também, minha gente, não precisa ficar de repente achando o máximo que Gilberto Dimenstein tenha resolvido questionar a conduta nefasta (como disse o deputado Ricardo Berzoini) do presidente da mais alta corte do país, Joaquim Barbosa, contra vários direitos violados nos episódios recentes envolvendo a prisão de José Genoino, José Dirceu e Delúbio Soares, sem falar na condução de todo o julgamento da Ação Penal 470, por demais conhecida.

Janio de Freitas, tudo bem. Tem sido voz resistente faz anos, muitos anos. Mas o texto de Dimenstein é ruim e medroso. Diz ele, por exemplo (os grifos em itálico são meus):

"Não tenho condições de dizer se o que estão fazendo com o José Genoino obedece ou não a lei. Talvez obedeça."

"Pegar um homem doente, que passou por uma operação gravíssima e jogá-lo numa cadeia. O ato pode ser legal. Mas é irresponsável."

É o que diz Dimenstein em seu texto publicado ontem, 20. Como se dissesse: "Genoino talvez seja  um criminoso. Mas, coitadinho, merece piedade".

Não é isso. Genoino nem é criminoso nem merece piedade. Nenhum combatente de valor, como Genoino e Dirceu, merece piedade. 

Mas é claro que o articulista tão bem informado entende alguma coisa de direitos individuais, e sabe também que o tal "domínio do fato" foi uma filigrana jurídica (para dizer o mínimo) utilizada para justificar condenações sem provas. No entanto, Dimenstein prefere ficar no "talvez" da primeira frase acima citada de seu artigo, e no verbo "pode", na segunda.

A verdade é que se fazem cada vez mais presentes as vozes a questionar esse estado de coisas que violenta direitos individuais e atropela mandamentos jurídicos, a Justiça de um homem só que coloca em xeque a própria credibilidade da "mais alta corte do país".

Como diz Helena Sthephanowitz em seu blog da Rede Brasil Atual, "não parece ser por virtude, mas por esperteza, que William Bonner passou um minuto no Jornal Nacional de quarta-feira (20) lendo a notícia: Divulgada nota de repúdio contra decisão de Joaquim Barbosa".

A impressão é de que Joaquim Barbosa se empolgou demais, e foi mais longe do que deveria ou poderia ter ido. Como se lentamente, dos intestinos da República, uma voz começasse a dizer: "Não é bem assim, Joaquim".

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Ghiggia e o Maracanã – 1950


Este lindo vídeo sobre e com Ghiggia, que relembra a final da Copa do Mundo de 1950 no Maracanã, foi enviado por Alexandre em comentário ao post anterior, sobre as classificações de Portugal e Uruguai ao Mundial de 2014. Fica como homenagem à classificação dos uruguaios à Copa do Mundo no Brasil, sacramentada nesta quarta-feira 20, com um 0 a 0 sonolento frente à Jordânia em Montevidéu, após a vitória dos platenses em Amã, na semana passada, por 5 a 0.

Vale a pena ver.



quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Uruguai e Portugal, bem vindos à Copa do Mundo no Brasil


Torci pros patrícios estarem no Copa do Mundo no Brasil. Nada contra a Suécia, mas a vitória da seleção de Cristiano Ronaldo por 3 a 2 em Estocolmo (após vencer em Lisboa por 1 a 0) que a colocou no Mundial foi incontestável, e com a marca do craque. Cristiano Ronaldo, pode-se dizer, é um entojo. Arrogante e egocêntrico. Mas o que esse cara joga de futebol é brincadeira. Está no auge da forma. Foi autor dos três golaços de hoje e ainda o de cabeça no jogo em casa. Quatro gols em dois jogos numa decisão de vaga de Copa do Mundo, só isso. Vai ser ótimo vê-lo atuar na nossa Copa. Copa do Mundo precisa de craques. Ibrahimovic que me desculpe, mas não deu pra ele. Além disso, a colônia portuguesa no Brasil é grande.


Vale a pena ver os três gols de Ronaldo:



Outra classificada para mim bem-vinda à Copa do Mundo é a Celeste Olímpica, bicampeã mundial (1930 e 1950). Definitivamente, boa parte do charme do Mundial de 2014 se perderia sem a seleção do Uruguai, que, por ter ficado em 5° lugar na zona sul-americana, foi para a repescagem (um mata-mata), eliminando a inexpressiva Jordânia (5 a 0 pro Uruguai em Amã, capital jordaniana, na semana passada, e escrevo estas linhas antes do desnecessário jogo em Montevidéu, nesta quarta-feira 20). A seleção que protagonizou um dos mais impressionantes episódios da história do futebol (ganhar a final da Copa de 1950 justamente no Maracanã contra o Brasil por 2 a 1) tinha que estar aqui novamente, nem que para representar a tradição de Obdúlio Varela e Ghiggia, autor do segundo gol contra o Brasil naquele 16 de julho de 1950, Ghiggia que ainda vive. E saludos ao maestro Oscar Tabárez, que merece o triunfo mais do que todos.

Entre os outros classificados na repescagem da Europa, estão a Croácia, que eliminou a Islandia; a Grécia, que despachou a Romênia; e a França, que bateu a Ucrânia. Os dois primeiros, normal e irrelevante. No caso da França, torci muito contra o time do país de Robespierre, Danton e Marat. Conseguiram se classificar na Copa passada com a ajuda da FIFA, naquele célebre gol ilegal em que Thierry Henry fez uma jogada de basquete com a mão esquerda, eliminando a Irlanda em 2009. Depois, os campeões de 1998 deram um vexame e não passaram da primeira fase na Copa de 2010 na África do Sul. O segundo gol dos bleus hoje, mais uma vez, foi ilegal. Benzema estava completamente impedido ao fazer o 2 a 0. Desta vez, os franceses pelo menos têm a desculpa de que tiveram um gol legal anulado antes. No final, 3 a 0.

sábado, 16 de novembro de 2013

Presos políticos





Registrem-se, na íntegra, as notas divulgadas pelo ex-ministro José Dirceu e pelo deputado federal José Genoino sobre a prisão de ambos, decretada pela "mais alta corte do país", no dia 15 de novembro do ano da graça de 2013, 124° da República.


A nota de Genoino: "considero-me preso político"

"Com indignação, cumpro as decisões do STF e reitero que sou inocente, não tendo praticado nenhum crime. Fui condenado por que estava exercendo a Presidência do PT. Do que me acusam? Não existem provas. O empréstimo que avalizei foi registrado e quitado.

Fui condenado previamente em uma operação midiática inédita na história do Brasil. E me julgaram em um processo marcado por injustiças e desrespeito às regras do Estado Democrático de Direito.

Por tudo isso, considero-me preso político.

Aonde for e quando for, defenderei minha trajetória de luta permanente por um Brasil mais justo, democrático e soberano."


A nota de José Dirceu: "É público e consta dos autos que fui condenado sem provas".


O julgamento da AP 470 caminha para o fim como começou: inovando – e violando – garantias individuais asseguradas pela Constituição e pela Convenção Americana dos Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário.

A Suprema Corte do meu país mandou fatiar o cumprimento das penas. O julgamento começou sob o signo da exceção e assim permanece. No início, não desmembraram o processo para a primeira instância, violando o direito ao duplo grau de jurisdição, garantia expressa no artigo 8 do Pacto de San Jose. Ficamos nós, os réus, com um suposto foro privilegiado, direito que eu não tinha, o que fez do caso um julgamento de exceção e político.

Como sempre, vou cumprir o que manda a Constituição e a lei, mas não sem protestar e denunciar o caráter injusto da condenação que recebi. A pior das injustiças é aquela cometida pela própria Justiça.

É público e consta dos autos que fui condenado sem provas. Sou inocente e fui apenado a 10 anos e 10 meses por corrupção ativa e formação de quadrilha – contra a qual ainda cabe recurso – com base na teoria do domínio do fato, aplicada erroneamente pelo STF.

Fui condenado sem ato de oficio ou provas, num julgamento transmitido dia e noite pela TV, sob pressão da grande imprensa, que durante esses oito anos me submeteu a um pré-julgamento e linchamento.

Ignoraram-se provas categóricas de que não houve qualquer desvio de dinheiro público. Provas que ratificavam que os pagamentos realizados pela Visanet, via Banco do Brasil, tiveram a devida contrapartida em serviços prestados por agência de publicidade contratada.

Chancelou-se a acusação de que votos foram comprados em votações parlamentares sem quaisquer evidências concretas, estabelecendo essa interpretação para atos que guardam relação apenas com o pagamento de despesas ou acordos eleitorais.

Durante o julgamento inédito que paralisou a Suprema Corte por mais de um ano, a cobertura da imprensa foi estimulada e estimulou votos e condenações, acobertou violações dos direitos e garantais individuais, do direito de defesa e das prerrogativas dos advogados – violadas mais uma vez na sessão de quarta-feira, quando lhes foi negado o contraditório ao pedido da Procuradoria-Geral da República.

Não me condenaram pelos meus atos nos quase 50 anos de vida política dedicada integralmente ao Brasil, à democracia e ao povo brasileiro. Nunca fui sequer investigado em minha vida pública, como deputado, como militante social e dirigente político, como profissional e cidadão, como ministro de Estado do governo Lula. Minha condenação foi e é uma tentativa de julgar nossa luta e nossa história, da esquerda e do PT, nossos governos e nosso projeto político.

Esta é a segunda vez em minha vida que pagarei com a prisão por cumprir meu papel no combate por uma sociedade mais justa e fraterna. Fui preso político durante a ditadura militar. Serei preso político de uma democracia sob pressão das elites.

Mesmo nas piores circunstâncias, minha geração sempre demonstrou que não se verga e não se quebra. Peço aos amigos e companheiros que mantenham a serenidade e a firmeza. O povo brasileiro segue apoiando as mudanças iniciadas pelo presidente Lula e incrementadas pela presidente Dilma.

Ainda que preso, permanecerei lutando para provar minha inocência e anular esta sentença espúria, através da revisão criminal e do apelo às cortes internacionais. Não importa que me tenham roubado a liberdade: continuarei a defender por todos os meios ao meu alcance as grandes causas da nossa gente, ao lado do povo brasileiro, combatendo por sua emancipação e soberania.”


quinta-feira, 14 de novembro de 2013

O Brasil de Jango e de Zé Dirceu


A história e seus simbolismos.

No dia 14 de novembro de 2013, véspera do 124° aniversário da República, os restos mortais do ex-presidente João Goulart, deposto pelo golpe de 1964, foram recebidos com honras militares pela presidente Dilma Rousseff, e um dia antes o Supremo Tribunal Federal decretou a prisão do ex-ministro José Dirceu, um dos construtores do Partido dos Trabalhadores, assim como de José Genoino, que mora numa casa comum de classe média no Butantã, em São Paulo.

Os fatos e o simbolismo histórico falam por si.

Marcello Casal Jr./Agência Brasil
A presidente Dilma e a viúva de Jango, Maria Thereza Goulart

Hoje é um dia de encontro do Brasil com a sua história. Como chefe de Estado da República Federativa do Brasil participo da recepção aos restos mortais de João Goulart, único presidente a morrer no exílio, em circunstâncias ainda a serem esclarecidas por exames periciais." (Dilma Rousseff)


Alexandre Maretti
Como advogado, respeito a decisão do Supremo, mas respeitar não quer dizer que concorde. O STF fechou os olhos para centenas de depoimentos, para a inexistência de provas e depoimentos que incriminassem o ex-ministro José Dirceu (...) Tanto da parte da defesa quanto de José Dirceu e da família, há uma indignação em relação ao que foi decidido ontem. Mas ele está sereno e vai cumprir mais uma situação de sua intensa vida.” (José Luís Oliveira Lima, advogado de José Dirceu)

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

100 anos de Albert Camus – um gênio que morreu cedo demais


Para Gabriel


Reprodução


Hoje, 7 de novembro de 2013, faz 100 anos que nasceu o grande Albert Camus. Argelino de Mondovi (interior da Argélia), ele morreu precocemente, aos 46, num acidente de carro em Villeblevin (França).

Camus foi um gênio inquieto. É autor de inúmeros livros fundamentais, como O Estrangeiro (1942) – romance que nunca deixa de ser atual e inquietante como seu autor; O mito de Sísifo (1942 - ensaio); A Peste (1951 - romance); O Homem Revoltado (1951 – ensaio filosófico); A Queda (romance – 1956); O Primeiro Homem (romance – 1994), entre muitos outros.

Ao contrário de Jean-Paul-Sartre, pensador de classe média com quem teve uma longa e tempestuosa relação, Camus foi muito pobre. Perdeu o pai com um ano de idade, vítima da Primeira Guerra Mundial, e sua mãe passou por enormes dificuldades, tendo de lavar roupas de terceiros para sobreviver.

Os manuscritos da obra-prima O Primeiro homem foram encontrados junto ao corpo de Camus no acidente de carro que o matou em 1960, e que, conta a história, não era para ele ter feito, pois já teria a passagem de trem para ir a Paris. Porém, acabou indo junto com membros da família Gallimard, dona da editora de mesmo nome, no automóvel que se espatifou numa árvore do caminho. Michel Gallimard acabou convencendo-o, conta-se, a desistir da viagem de trem e a literatura perdeu um de seus monstros sagrados por causa dessa infeliz fatalidade. Michel morreu 5 dias depois.

O Primeiro homem

O romance autobiográfico O Primeiro homem é inacabado, o que não o diminui, sendo para mim uma obra-prima. Fiel a esta origem, a Editions Gallimard manteve inclusive as lacunas em que o texto é incompreensível, com os devidos esclarecimentos em notas de rodapé, o que foi seguido pela bela edição brasileira da Nova Fronteira.

O livro tem o status de “testamento” literário. Conta a história de imigrantes franceses, pobres, que se mudam para a Argélia, como colonos, onde tentam uma nova vida. Numa casa velha de aldeia, uma mulher dá à luz o “primeiro homem”, protagonista da história. O pai desse menino é convocado pelo exército francês e vai à guerra da França contra a Argélia. O menino (franco-argelino) é criado nesse ambiente.

No romance, Camus relata a busca das origens (psicológicas, culturais e existenciais) por parte de um estrangeiro que, nessa busca, vai-se conhecendo, e conhecendo a memória, transformando-a, porque conhecimento é transformação. É belíssima e antológica a passagem em que o personagem Jacques Cormery (seu alter-ego) visita o túmulo do pai e se dá conta de que o morto ali enterrado é mais jovem do que ele próprio, o filho. O livro trata, também, da discussão da condição de estrangeiro, real ou psicológica, tema que o autor jamais abandonou.

O Estrangeiro

Outro livro definitivo de Camus (entre outros) é O Estrangeiro, que tem como temas o absurdo da existência e a impossibilidade de o homem ser compreendido pela ética da civilização ocidental. É o primeiro livro de ficção de Albert Camus.

Homem de vida banal e, no entanto, incapaz de responder às mais comuns expectativas do mundo, despojado das ambições mundanas de sucesso profissional e sem desejos de estabelecer vínculos afetivos ou matrimoniais, Mersault, o protagonista do curto mas monumental romance existencialista O Estrangeiro, é uma pessoa espiritualmente indolente, mas na aparência, pois na realidade é consciente até o insuportável para se sentir em paz “neste mundo explicado”, como escreve Rilke (1875-1926) em suas Elegias de Duíno, na tradução de Paulo Quintela, obra que trata, aliás, dos anjos de morte precoce (me perdoem a licença poética).

A leitura de O Estrangeiro é obrigatória, até mesmo como contraponto a O Processo de Kafka. Em ambos, o absurdo determina o destino do homem, embora em Camus seja conseqüência mais da atitude, ou antes, da recusa do indivíduo em aceitar a ética de um mundo que massacra as liberdades, enquanto no escritor judeu-tcheco, a meu ver, o ser esteja submetido sem possibilidade de reação às engrenagens incompreensíveis desse mundo kafkiano.

Mersault, o personagem de Camus, questionado em âmbito judicial sobre seu comportamento aparentemente frio quando do enterro de sua mãe, reflete consigo mesmo: “É claro que amava mamãe. Mas isso não queria dizer nada. Todos os seres normais tinham, em certas ocasiões, desejado, mais ou menos, a morte das pessoas que amavam”.

Mersault não compreende que o mundo (a sociedade) não quer a verdade. Em narrativa fluente, por meio da qual os fatos, um pouco à maneira telegráfica de Hemingway, se sucedem sem muitas interferências de reflexões filosóficas (esta, uma característica de Sartre), O Estrangeiro, em uma palavra, trata da hipocrisia como prerrogativa moral da nossa civilização.



São Paulo em imagens – Viaduto do Chá



Edu Maretti (clique nas fotos para ampliar)


Recentemente, este ano, voltou à baila na Câmara Municipal de São Paulo um projeto de lei absurdo, do vereador Wadih Mutran (PP), proposto 12 anos atrás, de mudar o nome do Viaduto do Chá, ícone da cidade de São Paulo, para Viaduto Governador Mário Covas.

O despropósito e o desrespeito à história da cidade é tão flagrante que até mesmo o filho do homenageado, o vereador Mario Covas Neto (PSDB), disse no fim de março que não apoiava a estúpida proposta.

O viaduto está localizado no Vale do Anhangabaú, no centro de São Paulo. É o primeiro viaduto de São Paulo e foi inaugurado em 6 de novembro de 1892. Ou seja, ontem ele fez 121 anos. Aqui vai minha homenagem.

O nome do logradouro é decorrente do Morro do Chá, na encosta onde hoje é a rua Xavier de Toledo e o Teatro Municipal, segundo nos ensina a professora Wikipédia. No local ficava uma chácara em que o Barão de Tatuí cultivava chá.



Edu Maretti 
Acima, ao fundo, a Praça do Patriarca



Reprodução
Cartão postal de 1923


Veja outros posts da série São Paulo em Imagens a partir deste link



Laurie Anderson: Lou Reed morreu fazendo posição de tai chi


Há uma semana, a artista, música e compositora Laurie Anderson divulgou uma carta no jornal East Hampton Star, sobre a morte de Lou Reed, no dia 27 de outubro, na casa deles em East Hampton, no estado de Nova York.

A carta de Laurie Anderson:

"Aos nossos vizinhos: que outono lindo! Tudo brilhando e dourado e toda aquela incrível luz suave. Água ao nosso redor. Lou e eu passamos muito tempo aqui nos últimos anos e, embora sejamos pessoas da cidade grande, esse é nosso lar espiritual. Na última semana, eu prometi a Lou que o tiraria do hospital e voltaria com ele para casa, em Springs. E conseguimos! Lou era um mestre do tai chi e passou seus últimos dias aqui sendo feliz e atordoado pela beleza e pelo poder e pela suavidade da natureza. Ele morreu no domingo, observando as árvores e fazendo a famosa posição 21 do tai chi, com apenas suas mãos de músico se mexendo no ar. Lou era um príncipe e um lutador, e eu sei que suas canções de dor e beleza no mundo vão encher muitas pessoas com a incrível alegria que ele tinha pela vida. Vida longa à beleza que descende e atravessa e sobrevoa todos nós."

Veja interpretação da dupla de "I'll be your mirror", em Paris, em 2009